terça-feira, 12 de maio de 2009

A MORTE DO AUTOR

"Na escritura múltipla, com efeito, tudo está para ser deslindado, mas nada para ser decifrado; [...]" (p. 63)

"[...] um texto é feito de escrituras múltiplas, oriundas de várias culturas e que entram umas com as outras em diálogo, em paródia, em contestação; mas há um lugar onde essa multiplicidade se reúne, e esse lugar não é o autor, como se disse até o presente, é o leitor: o leitor é o espaço mesmo onde se inscrevem, sem que nenhuma se perca, todas as citações de que é feita uma escritura; a unidade do texto não está em sua origem, mas no seu destino, mas esse destino já não pode ser pessoal: o leitor é um homem sem história, sem biografia, sem psicologia; ele é apenas esse alguém que mantém reunidos em um mesmo campo todos os traços de que é constituído o escrito." (p. 64)


BARTHES, R. A morte do autor. In: ______. O Rumor da Língua, São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 57-64.

Barthes salienta a questão da não existência do autor fora ou anterior à linguagem. Procurando apresentar a ideia do autor como sujeito social e historicamente constituído, ele o vê como um produto do ato de escrever - é o ato de escrever que faz o autor e não o contrário.

É possível, atualmente, verificar claramente o que Barthes enfatiza com o avanço das tecnologias através do hipertexto. O hipertexto liberta a escrita da "tirania do autor" pela facilidade que dá a cada leitor de adicionar, alterar ou simplesmente editar um outro texto, abrindo possibilidades de uma autoria coletiva sem perder por causa disso sua identidade. Desse modo, as funções do escritor e do leitor tornam-se profundamente entrelaçadas. Cada vez mais, a intervenção do leitor, através da visualização das associações e dos comentários que elabora se torna mais e mais concreta. O leitor pode, por sua vez, tornar-se um construtor de significados ativo, independente e autônomo.
É bem verdade que, a cada leitura muda-se a forma de interpretar sem porém, modificar as palavras de lugar. "Ler de novo, nunca é ler a mesma coisa." Os leitores criam suas interpretações independente das intenções do autor.
O texto adquire uma multiplicidade de vozes de acordo com seu destino e com seus leitores; sua medida é o infinito da linguagem.
Finalmente, este conjunto de questões permite-me ainda entender que, autor e leitor compartilham formas de comunicação, o texto sabe e mostra que vem de alguém e vai para alguém e que nesse movimento estão presentes relações complexas de partilha e alteridade.

Um comentário:

Márcia Fortunato disse...

Veronice, tudo bem?
Achei ótimo seu comentário. Suas inquietações com as mídias digitais são excelente tema para reflexão. Pense na hipótese de que as estratégias de leitura que utilizamos na internet são explicitações das operações que realizamos também enquanto lemos um texto impresso. Quanto à questão da liberdade para ler, veja o que disse Umberto Eco sobre o tema no endereço: http://www.inf.ufsc.br/~jbosco/InternetPort.html
Beijos, até!
Márcia.